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Reformatio in Peius e Crime Continuado: A Cassação e a Sentença n. 8872 de 2025 | Escritório de Advogados Bianucci

Reformatio in Peius e Crime Continuado: A Cassação e a Sentença n. 8872 de 2025

O direito penal é um campo em constante evolução, onde cada decisão jurisprudencial pode redefinir os contornos de princípios consolidados. A recente Sentença n. 8872, depositada em 4 de março de 2025 pela Corte de Cassação, presidida pelo Dr. E. D. S. e relatada pela Dra. A. L. A. R., oferece uma interpretação interessante do divieto de "reformatio in peius" no contexto do crime continuado. Esta decisão é de fundamental importância para a compreensão das dinâmicas processuais em recurso e das implicações na determinação da pena, abordando aspetos cruciais para arguidos e profissionais do direito.

O Princípio da Reformatio in Peius: Um Pilar do Processo Penal

O divieto de "reformatio in peius" é um princípio cardeal do nosso ordenamento processual penal, consagrado pelo artigo 597, parágrafo 3, do Código de Processo Penal. Ele estabelece que o juiz de recurso, em caso de impugnação apenas do arguido, não pode impor uma pena mais grave por espécie ou quantidade, nem aplicar uma medida de segurança nova ou mais grave, nem revogar benefícios. O objetivo é tutelar o direito de defesa do arguido, garantindo-lhe a possibilidade de recorrer de uma sentença sem o temor de ver a sua posição agravada. No entanto, como todo princípio, este também apresenta nuances e exceções, como as evidenciadas pela decisão em análise.

O Crime Continuado e a Determinação da Pena

No centro da discussão está o conceito de crime continuado, disciplinado pelo artigo 81, parágrafo 2, do Código Penal. Ocorre crime continuado quando várias violações da lei penal são cometidas na execução de um mesmo desígnio criminoso. Nesses casos, a pena é determinada a partir da sanção prevista para o crime mais grave (pena base) e aumentada até ao triplo, mas não além do limite de vinte anos para os crimes e de cinco anos para as contravenções (artigo 78 c.p.). A complexa interação entre a pena base, os aumentos pelos crimes satélite e os limites editalísticos torna a quantificação da sanção uma operação delicada, suscetível a diferentes interpretações, especialmente em fase de recurso.

A Máxima da Sentença 8872/2025 e o Seu Significado

Em tema de crime continuado, não viola o divieto de "reformatio in peius" a decisão do juiz de recurso que, após impugnação apenas do arguido, ao excluir uma agravante de efeito especial, não opere a correspondente redução sancionatória, no caso em que a pena base para o crime considerado mais grave tenha sido determinada no mínimo edital e tenham sido, outrossim, operados, com referência a cada crime satélite, aumentos de pena singulares não computados em primeiro grau em função do respeito ao limite do artigo 78 do código penal.

Esta máxima da Cassação esclarece um aspeto crucial: nem sempre a exclusão de uma agravante em recurso se traduz numa redução da pena. A decisão da Suprema Corte, no caso do arguido B. B., rejeitou o recurso contra a decisão da Corte de Recurso de Lecce de 10/04/2024. A Cassação considerou que não houve violação do divieto de "reformatio in peius" porque se verificavam condições específicas. Vejamos em detalhe:

  • A impugnação foi apresentada apenas pelo arguido, condição necessária para a aplicação do divieto.
  • O juiz de recurso excluiu uma agravante de efeito especial. Normalmente, a exclusão de uma agravante deveria levar a uma pena inferior.
  • No entanto, a pena base para o crime mais grave já havia sido determinada no mínimo edital. Isso significa que não havia margem para uma redução adicional da pena "base".
  • Além disso, os aumentos de pena para os crimes satélite (os menores dentro do crime continuado) não foram integralmente computados em primeiro grau, devido ao respeito ao limite máximo imposto pelo artigo 78 do Código Penal.

Na prática, o juiz de primeiro grau já havia aplicado a pena na medida mais branda possível, levando em conta os limites legais. A exclusão da agravante em recurso não permitiu uma redução efetiva da pena total porque, mesmo sem a agravante, a pena já estava no mínimo ou limitada por outras disposições. Não se trata de um "pioramento" da situação do arguido, mas sim de uma correta aplicação das regras de cálculo da pena, que não permitiam mais reduções. A sentença sublinha como a "reformatio in peius" deve ser avaliada não apenas pela mera diminuição ou aumento numérico, mas pela substância da posição do arguido em relação aos limites legais e às possibilidades de modulação da pena.

Conclusões e Implicações Práticas

A Sentença n. 8872/2025 da Cassação oferece uma valiosa bússola para navegar nas complexas dinâmicas do direito penal, especialmente no que diz respeito ao crime continuado e aos princípios que regem os recursos. Ela reitera que o divieto de "reformatio in peius" não é uma aplicação mecânica, mas requer uma análise aprofundada das modalidades de cálculo da pena. Para os operadores do direito, é fundamental considerar que, na presença de uma pena base já no mínimo edital e de aumentos para os crimes satélite limitados pelo artigo 78 c.p., a exclusão de uma agravante pode não se traduzir numa redução adicional da pena total. Esta decisão consolida a jurisprudência em matéria, fornecendo maior clareza sobre um aspeto técnico, mas de grande relevância prática para a tutela dos direitos do arguido e a correta aplicação da lei penal.

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