A questão da condução sem carta de condução é um tema recorrente no panorama jurídico italiano, frequentemente objeto de debates e esclarecimentos jurisprudenciais. Embora a infração tenha sido despenalizada em 2016, a sua reiteração pode ainda comportar consequências penais significativas. É precisamente neste delicado limite que se insere a recente e relevante decisão do Supremo Tribunal de Cassação, Secção Penal Quarta, com o acórdão n. 8871 de 28 de janeiro de 2025 (depositado em 4 de março de 2025), que fornece uma interpretação fundamental sobre os requisitos para a integração da reincidência no biênio.
O Decreto Legislativo de 5 de janeiro de 2016, n. 8, representou uma viragem importante para muitas tipologias de crime, transformando-as em infrações administrativas. Entre estas, a condução sem carta de condução, prevista pelo artigo 116, n.º 15 e 17, do Código da Estrada. Isto significa que, normalmente, quem é surpreendido a conduzir sem a devida licença já não incorre num crime, mas numa sanção administrativa pecuniária. No entanto, a mesma legislação previu uma exceção crucial: se a infração for reiterada no biênio, ela readquire a sua natureza penal. Mas o que se entende exatamente por "reiteração" neste contexto? O acórdão do Supremo Tribunal de Cassação n. 8871/2025, relativo ao caso do Sr. F. A., chamado a responder pela infração, oferece uma resposta clara e definitiva.
O cerne da questão reside na necessidade de distinguir entre uma simples contestação de uma infração administrativa e o seu efetivo "acertamento definitivo". O Supremo Tribunal, presidido pelo Dr. E. Di Salvo e com relatora a Dra. A. L. A. Ricci, anulou com reenvio o acórdão do Tribunal de Apelo de Catanzaro de 5 de abril de 2024, precisamente para clarificar este ponto. A máxima do acórdão é esclarecedora:
Em matéria de condução sem carta de condução, para a integração da reincidência no biênio, idónea a excluir o crime da área da despenalização ex art. 5.º do d.lgs. 5 de janeiro de 2016, n. 8, não é suficiente que tenha ocorrido a mera contestação da infração despenalizada, sendo necessário o seu acertamento definitivo. (Na fundamentação, o Tribunal precisou que, para efeitos de prova da definitividade do acertamento, é suficiente a aquisição de um elemento demonstrativo nesse sentido, acompanhado pela não alegação, por parte do recorrente, de ter impugnado, ou de ter solicitado obliteração, contra a sanção administrativa).
Este princípio é de importância fundamental. O Supremo Tribunal de Cassação sublinha que a simples "contestação" da infração administrativa, ou seja, o facto de ter sido emitida uma multa ou um auto, não é suficiente para desencadear a reincidência que reconverte a infração em crime. O que é necessário é um "acertamento definitivo" da violação anterior. Isto significa que o procedimento administrativo relativo à primeira infração deve estar concluído de forma irrevogável, sem possibilidade de contestações ou impugnações posteriores. Noutras palavras, a violação deve ter sido comprovada de forma definitiva, por exemplo, porque a sanção foi paga, não foi impugnada nos prazos, ou foi confirmada em sede jurisdicional administrativa.
O Tribunal precisa ainda que, para demonstrar a definitividade do acertamento, é suficiente produzir um elemento que o ateste, a menos que o recorrente demonstre ter impugnado a sanção ou ter solicitado a obliteração. Isto transfere o ónus da prova e oferece uma importante proteção ao arguido.
Esta decisão tem repercussões significativas tanto para os operadores do direito como para os cidadãos. Em primeiro lugar, reforça o princípio da legalidade e a certeza jurídica, evitando que uma pessoa possa ser imputada penalmente com base num acertamento administrativo ainda não definitivo. Para uma infração administrativa, a definitividade atinge-se quando:
O acórdão do Supremo Tribunal de Cassação n. 8871/2025 alinha-se com precedentes conformes (como o n. 27398 de 2018 e o n. 6163 de 2018), consolidando uma orientação jurisprudencial que visa garantir que a transição de infração administrativa para crime ocorra apenas na presença de condições rigorosas e inequívocas. Isto é fundamental para proteger os direitos do indivíduo e para assegurar que as sanções penais, mais graves, sejam aplicadas apenas quando estritamente necessário e em conformidade com os princípios de garantia.
O acórdão n. 8871/2025 do Supremo Tribunal de Cassação representa um ponto de referência na complexa matéria da condução sem carta de condução e da sua despenalização. Reiterando a necessidade de um "acertamento definitivo" da anterior infração administrativa para a integração da reincidência, o Supremo Tribunal forneceu uma orientação clara que protege os cidadãos de possíveis interpretações extensivas e garante maior certeza jurídica. Para quem se encontra a enfrentar uma contestação por condução sem carta de condução, é essencial verificar o estado da anterior sanção administrativa e, em caso de dúvidas, recorrer a profissionais jurídicos experientes para uma correta avaliação da sua posição e para a melhor estratégia de defesa.